Desde o séc. XIX, que a comunidade científica se mostrava surpreendida com o que mais tarde se veio a designar por “paradoxo francês”. Comparando a França com a Espanha e EUA – países com semelhantes hábitos alimentares que incluíam elevado consumo de gorduras saturadas, bem como sedentarismo e tabagismo generalizados – verificavam-se taxas de mortalidade por 100 000 habitantes muito diferenciadas: 47, 65, 118 respetivamente (Dados da OMS)
Ao longo dos anos foram surgindo diversas explicações para esta diferenciação da França: clima continental moderado e dieta mediterrânica que inclui elevado consumo de vegetais e de vinho tinto. Tais explicações careciam, no entanto, de estudos consistentes.
Na década de 1970, realizaram-se ensaios clínicos envolvendo 18 países relacionando a mortalidade por doença cardiovascular com o consumo per capita de vinho. O resultado destes ensaios foi apresentado na revista científica de medicina “The Lancet” em 1979. Referiu-se aí que nos países em que o consumo per capita de vinho é maior a mortalidade por doenças cardiovasculares é menor e vice-versa. Nessa época os franceses consumiam em média 100 garrafas de vinho por ano, bebendo apenas às refeições que por norma demoravam cerca de 1 hora.
Nos anos de 1980 foi conduzido outro trabalho, referido com o interessante nome “MONICA”, que envolveu 13 milhões de pessoas de 21 países e decorreu durante 10 anos. Os resultados foram divulgados em 1991 na mesma revista “The Lancet” e assinados pelos cientistas S. Renaud e Lorgeril. Também tiveram muita divulgação pelos vários órgãos de comunicação social. Os referidos cientistas concluíram que a ingestão moderada de bebidas alcoólicas, sobretudo vinho, reduz o risco das doenças e da mortalidade cardiovascular em cerca de 50%. O impacto destas informações foi tal que no ano seguinte (1992), o consumo de vinho nos EUA aumentou cerca de 40 %. Os referidos cientistas referiram sempre que o consumo de vinho deve ser moderado, efetuar-se apenas durante as refeições e nos casos em que não há contraindicações. Mesmo assim nunca desapareceu o ceticismo dos que referem os danos cousados pelo consumo abusivo do álcool.
Vamos de seguida adentrar um pouco no conhecimento do vinho e dos componentes químicos que poderão estar relacionados com estes benefícios surpreendentes, tais como antocianinas, quercetina, resveratrol e outros compostos polifenólicos.
Os compostos referidos provêm das uvas e por isso integram o chamado aroma varietal ou primário do vinho. Eles são os principais responsáveis pelas propriedades antioxidantes do vinho. Por isso se encontram disponíveis em grupos ou individualmente como suplementos em lojas de dietética.
Por este motivo surge desde logo uma questão pertinente: se tais compostos provêm das uvas, não será preferível comer 1kg de uvas em vez de beber 1 garrafa de vinho que se obtém pela fermentação das mesmas?
Vejamos, com detalhe, a constituição ponderal dum bago de uva. Ele contém 15% de parte predominantemente sólida que integra as grainhas e a película. É aí que se encontram os compostos fenólicos e desde logo as antocianinas que conferem a cor ao vinho e que provêm das películas. Também se encontram aí em grande medida os restantes polifenólicos que originam o aroma e o sabor do vinho. Por sua vez temos 85% de parte líquida proveniente da polpa, rica em açúcar, contendo também minerais e ácidos. No caso das uvas tintureiras, tais como Alicante Bouschet e Vinhão, a polpa também é corada e por isso contém antocianinas.
Na vinificação (em tinto) ocorrem simultaneamente um fenómeno químico (fermentação) e um fenómeno físico (maceração). A fermentação converte os açucares em álcoois, sobretudo etanol. Na maceração o etanol que se vai formando extrai os compostos fenólicos das partes sólidas da uva.
Comer uvas é obviamente saudável, beber o sumo também. Mas por norma as partes sólidas são rejeitadas (cuspidas). Seria mais saudável e nutritivo mastigar as películas e grainhas. Porém a maneira mais eficaz de extrair os compostos fenólicos ocorre quando a fermentação do mosto se processa em simultâneo com a maceração das partes sólidos. O álcool que se vai formando é responsável pela extração dos compostos fenólicos existentes nas partes sólidas. Daí a importância do álcool e consequentemente do vinho.
É verdade que estão disponíveis no mercado vinhos sem álcool, bem como suplementos constituídos pelos compostos fenólicos isoladamente. Mas o vinho é uma bebida muito complexa e os seus benefícios resultam da sinergia de todos os seus componentes incluindo o álcool.
A uva é o fruto mais cultivado no mundo e deve ser consumido ao natural ou, talvez melhor em passas. Mas tal não substitui o consumo habitual do vinho.
Relativamente ao vinho branco, refira-se que a vinificação tradicional é feita pelo processo de bica aberta, que implica a separação das partes sólidas antes do início da fermentação do mosto. No entanto nos tempos mais recentes tem-se recorrido à maceração pelicular controlada, com o objetivo de melhorar os seus aromas e beneficiar dos compostos fenólicos extraídos com este procedimento.
Apresentação do autor
Valentim Ribeiro de Almeida ingressou no Colégio La Salle de Barcelos em 2/10/1956. Continuou estudos em Bujedo, Espanha.
A sua formação superior passou pelas 3 universidades de Lisboa: Licenciado em Química pela Clássica, Mestre pelo Instituto Superior Técnico e Doutor pela Nova.
Foi docente durante 17 anos na Universidade do Algarve, tendo presidido ao Departamento de Engenharia Alimentar durante alguns períodos.
Foi Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Superior de Engenharia do Algarve durante 2 mandatos de 3 anos.