You are currently viewing NATAL DO MENINO
©GabboT

Neste tempo, e à medida que os anos me passam, sou levado para o Natal da minha infância vivida na aldeia, que me viu nascer e crescer, algures no vale do Rio Este, protegido pelo Monte das Ermidas. E o Natal que ainda sinto e vivo é o Natal do Menino Jesus, o Natal do Presépio, o Natal da Casa, o Natal da Família, o Natal da Partilha, o Natal de Todos e com Todos.

Esta nostalgia e esta saudade, não sendo uma apologia daquele tempo, resulta tão só das vivências, dos valores e do sentir, porque o tempo era duro, um tempo sofrido, um tempo de privação, não vivêssemos numa ditadura de silêncio imposto, medo e pobreza.
O tempo de Natal, para uma criança, começava mal se surgiam as primeiras cheias do Este, que cobriam o vale com um lençol de água, ou as primeiras manhãs de geada que gretavam o chão dos caminhos e vidravam as pequenas poças de água a caminho da escola. Começava também pela procura do fresco e fofo musgo verde que revestia muros velhos ou penedos dos montes percorridos à descoberta de azevinho a despontar.

A noite de consoada era a grande noite, a noite mais esperada passada na cozinha, com a mesa ao centro, lareira acesa com labaredas a darem luz e calor. O Presépio na sala junto à janela, debaixo do pinheirinho, com a cabaninha do Menino, com todas as figuras coloridas, bonecos, agora artisticamente designado figurado, comprado na Feira de Barcelos, onde era mais variado e barato. Era visto e revisto muitas vezes para encanto do olhar e para assegurar que nenhuma figura tivesse tombado, muito particularmente a Família de Nazaré ou os Reis Magos.

A Ceia tinha tudo conforme as posses: as batatas com bacalhau e hortaliça, neste dia a nadar em azeite, rabanadas, aletria, mexidos e bolo-rei. Tudo envolvido por um ar quente com cheiro a canela, a resina das pinhas mansas que, na pedra da lareira, à volta do lume, se abriam com pinhões, que eram disputados, sobre a mesa, a jogar a piorra: tira, rapa deixa e põe. Meia noite! A missa do galo, o fogo de vistas, prendas que o Menino deixou junto ao Presépio: umas meias, um agasalho, uns rebuçados e uma pasta fina de chocolate revestido com uma pratinha de cor a brilhar. Madrugada fora, ainda se visitavam os tios e vizinhos próximos todos sentados à volta da lareira com o brasume do canhoto a arder, a chocolateira de barro com café ou cevada e a grande malga de vinho tinto com uma maçã porta da loja assada, aquecida ao borralho, para os mais velhos. De manhã, a missa, o beijar do Menino e o regalar os olhos com o grande presépio da Igreja.

Entretanto, o tempo mudou. Tudo evoluiu e ainda bem. Desenvolvimento e bem-estar a todos os níveis. Mais produção, riqueza e consumo desenfreado, apesar das desigualdades gritantes e das injustiças. A figura inventada do Pai Natal foi dando cabo do Menino Jesus e do verdadeiro espírito de Natal…

Independentemente das convicções religiosas de cada um e de questões de ideologia, era bom que o Natal continuasse a ser do Menino, da Luz, do Amor, da Paz, do Outro e de Todos. E feito de coisas simples, pequenos gestos, partilha de vivências e boas práticas ao longo do ano destinadas ao Outro, sem pensar que é Natal.

Manuel Augusto de Araújo