Luís Martins
(continuação da crónica anterior)
Recomeço como terminei a anterior. Com as expectativas neste encontro em Abrantes, marcado para homenagear os Irmãos de La Salle. Seria descerrada uma coluna da toponímia da cidade, identificativa da Praceta São João Baptista de La Salle.
Elenquei então cinco objectivos. Sigo-os agora, a par e passo, para não me perder. Revisitar Abrantes era o primeiro, mas não o mais importante. Queria, sobretudo, poder fazer o percurso que retomava quase semanalmente, com o colega Manel Rego, desde o Colégio ao parque da cidade. Teve que ficar para um outro encontro ou para uma deslocação a propósito. Não houve tempo para tal desta vez. O programa não o permitiu. Mas, ficou-me a borbulhar no pensamento um ou outro ponto do percurso de que me falaram antigos alunos que encontrei, embora os não reconhecesse, por terem frequentado o estabelecimento num tempo diferente. As borbulhas também perpassavam pelos circuitos da memória de alguns deles. Parece que por causa dos mesmos pontos da geografia que nos acicatava à caminhada regular fora dos muros do Colégio.
Com muita pena minha, não encontrei na ocasião nenhum colega do meu ano, para além do Joel Duarte e do Irmão José Pereira de Figueiredo que foram de Esposende e Barcelos, respectivamente. Havia apelidos que me faziam recordar o ano lectivo de 1971/1972, como Avilez, Charrua, Parente e outros que no momento em que que escrevo não me lembro, que não puderam comparecer ao Encontro deste ano, aprimorado pela homenagem a que aludi, o primeiro em que marquei presença. Recordei também outros nomes, mais familiares para mim, como o Canelas, o António Ferreira, o Salazar, o João Malheiro. Quando pronunciava os seus nomes ou os ouvia pronunciados por alguém, uma nostalgia me inundava o espírito.
O programa do Encontro também não permitiu revisitar o antigo Colégio La Salle de Abrantes como sonhara. Tantos sítios preenchiam a memória, como os pavilhões onde tive aulas, os sítios da camarata, da sala de cinema, do rinque de hóquei em patins, os campos de futebol e de outras modalidades, a piscina, o caminho que dava ao rio e à pista que ladeava o curso de água e tantas vezes calcada num exercício de jogging a que presidia, pela estatura física, pela força e pelo reconhecimento, o Chana, um colega mais velho, infelizmente já falecido! A entrada da agora Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes tinha sido renovada, despistando a memória visual de um mais distraído. Do antigo Colégio, tivemos apenas acesso, por questões de agenda, a um espaço de anfiteatro, local coincidente onde antes – no tempo que por lá passei e que por que passou a generalidade dos colegas presentes – era a capela. Na altura, havia aí um órgão, equipamento musical e litúrgico que tive o privilégio de executar, dando os primeiros passos da minha aprendizagem na técnica de combinar, a duas mãos, vários sons harmónicos ou nem por isso, contudo, música, de um compêndio de onde o Irmão Antonino (?) extraía uma sonoridade quase celestial, apenas ultrapassada se o local fosse mesmo o Paraíso. Retenho-me, por mais alguns momentos, neste espaço que frequentei com alguma assiduidade em tempos idos dos quais sinto saudade e uma certa melancolia que também me levaram de volta, embora só para recordar. Decorreu aí a celebração de uma missa, presidida por Frei António José. Depois, aqui aconteceram, no dia 17/06/2018, vários discursos de homenagem e reconhecimento. Aos Irmãos de La Salle e aos professores do antigo Colégio. À Senhora Presidente da Câmara de Abrantes, a quem coube a decisão da concretização da nova toponímia da cidade. Para finalizar a efeméride na Escola que fora um Colégio de gabarito nacional, subiram ao palco, a par da Presidente da Câmara e do Director da actual Escola Secundária e dos responsáveis pela organização do evento, todos os Irmãos Lassalistas que por lá passaram. Foi nessa altura que alguém me sussurrou, penso que a esposa do colega Zé Carlos: “Olha, aquele é o Amaral!…” Um momento que me arrepiou a espinha, melhor, o corpo todo! Há quanto tempo o esperava!…
O objectivo crítico do encontro era homenagear os Irmãos de La Salle através da colocação de uma marca perene na Praceta que se desenvolve até à entrada principal do antigo Colégio La Salle. Sobre isso, deixo aqui um testemunho muito pessoal. Frequentei o ensino e a espiritualidade lassalista do sexto ao nono ano de escolaridade (do antigo segundo ao quinto ano). Devo aos Irmãos com quem me cruzei o melhor do que hoje sou. Foi em Barcelos que aprendi a gostar do estudo (depois de ter cabulado no antigo Liceu Sá de Miranda em Braga durante o primeiro ano após a escola primária), de ler, de escrever (o Irmão Domingos Ferreira, já falecido, marcou-me imenso neste último aspecto. Pena que nunca mais o tenha visto) e de outras facetas que julgo que possuo. Foi também em Barcelos que experimentei a maior aproximação que alguma vez tive com Deus, numa capela que gostava de frequentar, onde, solitariamente e no silêncio, falava deliciosa e demoradamente com Jesus. Um tempo em que mudei de voz – um dia regressei ao Colégio após férias e não afinava ao cantar! – e fui sacristão. Lembro-me de um padre capuchinho velhinho, de que me não recordo já do nome, a quem me confessava, e do Padre Belo, que fizeram serviço religioso na Quinta do Galo. Mais tarde, o Irmão Joaquim haveria de insistir comigo – “compras uma ‘diane’ e depressa aqui chegas!”, dizia-me então – para que aceitasse ser professor no Colégio de Barcelinhos, embora não se tivesse proporcionado, por causa do emprego público a que começara a dedicar-me antes. Estou profundamente agradecido aos Irmãos de La Salle. Peço desculpa aos demais que tenho no coração, mesmo que tenham, entretanto, seguido outro caminho de vida, dois dos quais se cruzaram comigo no percurso profissional, mas tenho que destacar aqui alguns: Irmão Amaral, Irmão Martinho, Irmão Iglésias e Irmão Emílio Mazariegos, os dois primeiros responsáveis pelo meu recrutamento e estágio e os dois últimos na qualidade de directores espirituais em Barcelos. Todos contribuíram para a minha educação e formação integral e marcaram o meu percurso de vida. Não me sinto minimamente frustrado – nunca me senti – com os cascudos que me foram administrados, mesmo que, já na altura, os não considerasse justos.
Termino de seguida. Para dizer apenas alguma coisa – o texto já vai longo – sobre a perspectiva de encontrar, na oportunidade, antigos professores. Não tive sorte. No entanto, senti-me enormemente compensado pelo encontro que tive com a pessoa responsável pelo meu ingresso no Colégio La Salle de Barcelinhos, o então Irmão Domingos Amaral. Perceberão por que me senti arrepiado quando me foi dado conta de que também ele tinha marcado presença no evento de Abrantes. Recordo, como se fosse hoje: “Conheces-me, sabes quem eu sou?”, perguntou-me num certo dia do ano de 1971, quando estava prestes a entrar no portão lá de casa, em Tadim. “Não”, respondi um pouco timidamente. “Gostavas de ser como eu?”, voltou a questionar o Irmão Amaral. Respondi que “sim”. E começaram então, desde esse dia, as diligências para o estágio e a minha integração na Congregação responsável por muito do que me aconteceu, inclusive, por esta crónica que não sei se terá continuidade por não ter falado, a propósito, com o Director do bocado de ciberespaço onde eventualmente vai residir, não sei por quanto tempo.